22.9.09

Igualdade na Saúde

Anteontem, no NYT, Gregory Mankiw escreveu um artigo sobre as dificuldades de um cobertura universal na saúde. Dada a excelência do artigo – e considerando que eu tinha defendido pontos similares na formatura da Nayara há umas 2 semanas –, traduzi-o integralmente. Sintam-se livre para comentar ;)

Economic View - Who Will Determine Who Pays for Equality in Health Care? - NYTimes.com: "TODA manhã eu tomo um comprimido branco que me faz ter reflexões filosóficas profundas sobre o sistema de saúde americano, o valor da vida e a relação entre Homem e Estado. Não, não é nenhum psicotrópico ilegal, remanescente dos anos 60 junto com minhas camisas hippies. Mas se você seguir meu raciocínio, aposto que este comprimido terá o mesmo efeito sobre você.

A pílula é uma estatina – um tipo de fármaco desenvolvido nas últimas décadas para baixar o colesterol de uma pessoa. Meu pai morreu de doença cardiovascular e infelizmente eu herdei sua predisposição genética, porém espero que a medicina moderna me ajude a evite seu destino. Assim, como milhões de homens de meia idade, eu tomo meu comprimido diariamente.

Eis a pergunta que me faço quando o comprimido passa pelos meus lábio: vale a pena?

Você pode estar tentado a dizer “claro que sim”. A maior parte das pessoas preferiria evitar uma morte prematura. Se as maravilhas da ciência moderna puderem adiar o inevitável, por que não?

E foi realmente assim que pensei sobre esta decisão quando meu médico recomendou o tratamento. Uma coisa que eu não considerei foi o preço. Como a maioria dos consumidores de tratamento médico, eu estava protegido das preocupações econômicas. Sabia que a companhia de seguros – e indiretamente todos os seus segurados – pagaria a maior parte da conta. Este arranjo, encorajado pelo sistema de imposto, garante que eu receba o benefício dos comprimidos enquanto pago pouco dos custos adicionais que eles geram.

Um otimista poderia esperar que meu médico, ou algum superior na hierarquia do sistema de saúde, fizesse um cálculo racional de custo-benefício em nome da sociedade. Para descobrir se meu tratamento faz sentido, seria necessário pesar o custo da droga contra o benefício de uma vida prolongada. E para tanto, alguém teria dar um valor em dólares para a minha vida – o tipo de cálculo que faz todo mundo exceto os economistas se arrepiar.

Há não muito tempo, li que um médico estimou o custo das estatinas em US$150.000 por ano de vida salva. Este número aproximado reflete não apenas os dólares gastos por pacientes e seguradoras no tratamento, mas também – e igualmente importante – uma estimativa da efetividade em prolongar a vida. (Este valor é para homens; mulheres têm um menor risco de doenças cardíacas.)

Essa estimativa é, na melhor das hipóteses, aproximada, mas certamente sugere que medicina preventiva nem sempre é barata. A magnitude do número também traz à tona a difíceis questões de filosofia política.

Imagine que seja inventada um comprimido ainda melhor do que aquele que eu tomo. Chamemos de pílula “Dorian Gray”, em homenagem ao personagem de Oscar Wilde. Todo dia em você tomar a Dorian Gray, você não morrerá, adoecerá ou mesmo envelhecerá. Garantia absoluta. O problema? O suprimento para um ano custa US$150.000.

Qualquer um capaz de bancar este novo tratamento pode viver para sempre. Certamente Bill Gates pode pagar. Mais provavelmente, milhares de americanos de alta renda despenderiam de bom grado US$150.000 ao ano pela imortalidade.

A maioria dos americanos, no entanto, não teria tanta sorte. Como os preços dessas novas pílulas é muito maior que a renda média, seria impossível fornecê-las para toda a população, mesmo se todos os recursos da economia fossem dedicados a produzir comprimidos Dorian Gray.

Eis a difícil questão: como devemos, enquanto sociedade, decidir quem ganha o benefício deste advento médico? Seremos comunistas do sistema de saúde e tentaremos proibir o Bill Gates de usar sua fortuna para viver mais do que um fumante inveterado? Ou aprenderemos a viver (e morrer) com vastas diferenças de efeitos na saúde? Há um meio termo?

Estas questões podem parecer coisa de ficção cientifica, mas não estão tão distantes daquelas vislumbradas no pano de fundo da discussão hodierna a respeito do tratamento de saúde. A despeito de toda a conversa sobre desperdício e abuso no nosso sistema de saúde (que sem dúvida existe em algum nível), o maior responsável pelos crescentes custos de tratamentos é o avanço na tecnologia médica. A profissão médica está sempre descobrindo novas formas de prolongar e melhorar a vida, e isto é bom, mas essas novas tecnologias não vêm barato. Para cada novo tratamento, temos de decidir se vale o preço e quem terá acesso a ele.

A defesa da cobertura universal de saúde baseia-se na atraente premissa de que todos devem ter acesso ao melhor tratamento médico possível quando quer que precisem. Esta simpática (gentil. nobre?) aspiração, todavia, choca-se com a dura realidade de que tratamento médico de ponta é cada vez mais caro. Em algum momento alguém no sistema tem de dizer que há coisas pelas quais não vamos pagar. A grande pergunta é: quem? O governo? Seguradoras? Ou os próprios consumidores? E a resposta tem necessariamente que ser a mesma para todos?

Desigualdade em recursos econômicos é uma característica natural, ainda que não de todo atraente em uma sociedade livre. Conforme a saúde aumenta sua participação na economia, não teremos escolha a não ser enfrentarmos questões de até onde devemos permitir que tal desigualdade se estenda e que restrições sobre nossa liberdade devemos tolerar em nome da justiça.

Ao final do nosso dia filosofando, porém, enfrentamos uma decisão prática:

Quem recebe as pílulas mágicas? E quem paga por elas?

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